Alberta, a galinha dos ovos de ouro
Já não é novidade pra ninguém que Alberta tem se tornado o principal destino de milhares de recém chegados e de muitos outros que já moram no Canadá. Mas isso parece estar indo muito além do que a gente imagina.
Graças às oportunidades criadas com a exploração do petróleo na região, vagas de emprego diretos ou indiretos borbulham aos montes: são engenheiros, técnicos de todos os tipos, especialistas em telecomunicações, finanças e mais uma infinidade de outras posições.
Mas, até recentemente ninguém tinha noção do real impacto dessa explosão de oportunidades e negócios na estrutura econômica do resto do país. Enquanto Alberta cresce aceleradamente, as províncias do atlântico não têm sido capazes de crescer de maneira suficiente para manter sua estrutura e têm encolhido em um ritmo inquietante. Em províncias como New Brunswick, por exemplo, a população ativa na faixa dos 15 a 65 anos encolhe em média 1% por ano e ao que tudo indica esse número deve ser ainda maior nos próximos anos. Sem grandes atrativos econômicos e com investimentos muito mais modestos, a solução das pessoas têm sido realmente deixar suas casas e partir para onde o sul parece brilhar mais forte. Já é muito comum ouvir a piadinha do “o último que sair apaga o farol” por conta desse êxodo.
Segundo a projeção da Bloomberg, Alberta deve ultrapassar Québec e acabar se tornando a segunda maior economia do país dentro de três anos ou menos, ainda que a população da província seja menor que a província francófona. Em épocas onde a média nacional de criação de empregos foi modesta, a cidade de Edmonton sozinha foi responsável por ter criado 40% das vagas do país.
Mas nem tudo são flores. A fragilidade da economia das prairies tem ficado evidente com a recente onda da queda do preço do barril de petróleo. De acordo com a _International _Energy Agency, se a tendência continuar, mais de 25% dos projetos canadenses que envolvem a extração do petróleo devem ser afetados se o preço continuar a cair. (Até a data de publicação deste artigo, o valor do litro de gasolina já tinha despencado de 1.46/l no período de maior alta e chegado a 1.16/l).
O outro lado da moeda
Apesar da euforia com o potencial de Alberta, a extração de petróleo tem outro lado raramente observado pelas pessoas: o impacto ambiental.
Além de ser um dos métodos mais caros de produção de petróleo por barril, os bilhões de dólares gerados na região do tar_ sands_ escondem uma catástrofe ambiental em constante crescimento e muito em breve um caminho que pode não ter volta. Diferente dos poços de petróleo e bacias petrolíferas em águas profundas, o “ouro negro” canadense é extraído do betume, uma substância derivada de seres vivos pré históricos e com um potencial para revolucionar o mundo muito maior do que o silício representou para a indústria eletrônica.
O tar sands em si é uma região cujo solo é uma mistura de sílica, minerais, barro, água e o tão precioso betume que é o elemento principal de todas as operações nos locais. O que pouca gente sabe é que o custo da produção de petróleo bruto a partir do betume é altíssimo tanto financeiramente quanto em termos de impacto para a região. É preciso escavar cerca de duas toneladas de areia e usar cerca de três barris de água limpa dos rios para produzir um barril de piche betuminoso, sem falar na quantidade de energia necessária que chega a ser quase 1/3 do que seria produzido com o subproduto daquele mesmo barril. A exploração tem seu foco mais intenso na região de Peace River, Cold Lake e do Athabasca.
Agora, faça as contas: por dia, o Canadá exporta cerca de 1 bilhão de barris de petróleo para os Estados Unidos. Quanto já foi usado de água limpa e quanto já foi destruído na região? Isso sem falar da questão do oleoduto que está sendo construído e que vai cruzar o Canadá e os Estados Unidos transportando esse produto.
Mesmo figurando sempre em listas de melhores lugares para se viver, em um critério o Canadá tem se mostrado um péssimo modelo mundial: nos seus esforços em combater as alterações climáticas globais. Este ano o Governo Federal avisou que não será capaz de manter sua meta para 2020 do acordo internacional de Kyoto sobre emissão de gazes, do qual inclusive retirou sua participação.
Segundo o primeiro ministro Stephen Harper, ele não vai sacrificar a competitividade econômica do país – e ele fala sobre a extração de óleo e gás natural – em função de ganhos ambientais. Talvez a questão do meio ambiente só não seja mais grave por causa da menor população e a menor quantidade de indústrias de manufatura. Contudo, mesmo sendo um país onde a qualidade do ar e das águas está muito acima de países do OECD, incluindo a França, o Japão e os Estados Unidos, o Canadá deve muito em termos de uso consciente dos recursos naturais.
Corrida eleitoral
Há um ano das eleições federais, o atual primeiro ministro, Stephen Harper, sofria com sua popularidade e recebia criticas cada vez maiores da população, principalmente sobre ser um fantoche dos Estados Unidos e de que estaria destruindo a herança do Canadá de ter uma política social e igualitária para toda a população, favorecendo os interesses de quem acabar “pagando mais”. Isso sem falar na pressão que estaria sofrendo por não aumentar os investimentos em segurança, assunto ainda em pauta com a morte dos soldados em Quebec e Ottawa.
Para tentar recuperar sua popularidade, o governo resolveu lançar medidas fiscais que favoreceriam o cidadão. Uma delas foi o aumento do valor dado às famílias com filhos. Até recentemente esse benefício era dado a famílias com filhos até 5 anos de idade, mas com a recente mudança além desse valor passar de 100$ para 160$ por criança, o benefício passa a ser até os 18 anos. Outra mudança significativa é a possibilidade de transferir parte da renda recebida por um cônjuge para outro com menor renda com o objetivo de reduzir a carga tributária familiar, uma medida prometida há alguns anos e que acabou sendo implementada coincidentemente a um ano das eleições para primeiro ministro. No fim das contas, a estratégia parece ter dado certo e a popularidade do atual primeiro ministro disparou ” magicamente “, privando que política é política em qualquer lugar.
Mercado e empregos
Todo mundo fala sobre uma bolha imobiliária mas ninguém sabe quando ou como isso deve terminar. O fato é que ela existe e basta acompanhar o aumento do valor dos imóveis nos últimos 10 anos e comparar com a inflação e o poder aquisitivo das pessoas. É possível ver mercados regionais onde o preço de uma casa passou de $120 mil para $300 mil enquanto o salário médio teve um reajuste de 12% durante o mesmo período. Por mais que os juros médios para financiamento girem em torno de 2% a 3.5% e uma inflação “controlada” a especulação imobiliária faz cada vez mais pessoas adiarem cada vez mais seu plano de comprar um imóvel.
A oferta de imóveis continua tão alta quanto os preços, mas não parece haver tanta gente comprando como há 5 anos atrás. Mesmo com o banco central garantindo taxas baixas e competitivas, os preços atuaram e não é raro ver placas de casas à venda ficando penduradas por mais de 6 meses quando três meses era a média para vender um imóvel.
Ainda que com todos esses efeitos, algumas indústrias ainda estão em franco crescimento e não demostram sinais de desaceleração tão cedo. O entretenimento digital, por exemplo, nunca esteve tão forte. Produções de séries, filmes e programas de televisão são gravadas em cidades por todo o país e produzidas por empresas profissionais em terras canadenses. Mesmo Hollywood se rende ao potencial canuck. Empresas de videogame recebem investimentos e incentivos fiscais milionários e contratam pessoal praticamente todas as semanas e com previsões cada vez mais otimistas de mercado.
Do outro lado, mesmo com a chegada de milhares de imigrantes todos os anos, alguns setores continuam sofrendo com a carência de profissionais. Médicos, enfermeiros, engenheiros, arquitetos e todo o gênero de gente qualificada e com experiência em suas áreas, chegam às centenas mas o mercado exige que encarem processos de validação de diplomas e reconhecimento da profissão que, em alguns casos, podem acabar se tornando verdadeiras peregrinações que nem sempre garantem um final feliz.
Como se tudo isso já não fosse suficiente, toda a inquietude mundial parece estar tendo efeitos maiores do que o esperados aqui no Grande Norte. O StatsCanada divulgou que a taxa de inflação chegou a 2.4% em Outubro, um índice muito preocupando quando o cenário previsto era algo em torno de 0.9%, causados, principalmente, por conta da queda do preço dos combustíveis – como eu comentei no início. Entre os principais vilões, gás natural (20.1%), carnes (12.4%) e cigarros (11.5%). Isso é o suficiente colocar o Canadá com o maior índice de inflação entre os países “desenvolvidos”, tirando o Japão que ficou em primeiro lugar por conta do aumento dos impostos sobre vendas de produtos. Por que isso é ruim para o país? Uma das conseqüências previstas é o aumento da taxa de juros e com isso afetar todo a economia, muito provavelmente afetando diretamente o mercado imobiliário e todos envolvidos.
A realidade do emprego
Em um mercado exigente e competitivo que não telefona, não manda flores nem pergunta se você está bem, encontrar um emprego parece ser uma tarefa ainda mais dura a cada dia que passa. O que é realmente uma atitude estranha, principalmente com a constante necessidade clara que a gente enxerga em alguns setores, sobretudo em áreas de base e muito além da tão falada área de saude. Ainda que tenha tido o melhor desempenho entre os países do G7 em termos de geração de empregos (um milhão de empregos desde o início da recessão, segundo o líder do Governo, Peter Van Loan) a realidade interna requer um pouco mais de atenção.
Como eu já disse, New Brunswick teve um crescimento negativo de vagas, cerca de 2.9%, o pior desempenho do país, um reflexo da falta de oportunidades na própria província, muito pior ainda que nas Ilhas de Príncipe Eduardo, cuja principal fonte da economia é a agricultura. Difícil de compreender mesmo é Manitoba, que teve uma perda de 11.000 empregos. Mesmo tendo aberto seu próprio programa de imigração com campanhas aos quatro ventos, a província acaba não tendo atrativos suficientes para competir com o “boom” do petróleo em Alberta ou dos mercados financeiros e de tecnologia em Ontário e British Columbia.
Québec, a segunda maior província do país em termos de população e a única das províncias fora do atlântico a ter um crescimento negativo, tem um panorama também pouco animador. Québec acabou de passar por uma dupla mudança de primeiros ministros. Com a eleição do Partis Québecois a decisão de cortar o orçamento estipulado pelo governo anterior veio como primeira medida. No ano seguinte, depois de notar que um governo minoritário não ia ser fácil, o mesmo PQ convoca precocemente outra eleição e perde o poder em uma virada inesperada. Novo Governo, novas ações, novamente corte no budget. Conclusão: investimentos ainda menores.
Não bastasse o mal estar causado pela política pró-francês e anti-anglofonia do PQ ter servido de motivação para muitos deixarem a província, os sucessivos cortes de orçamento tiveram efeitos cada vez mais aparentes. Recentemente o Governo decretou que as novas contratações para o serviço público estão canceladas, juntamente com novos contratos com empresas prestadoras de consultoria, afetando assim a estratégia de muitas pessoas que viam no funcionalismo público seu modelo de vida.
E agora?
O Canadá passa por um longo processo de crescimento e reformulação de proporções semelhantes ao seu tamanho. O país até que passou bem pela crise econômica de 2009. Mas o mundo mudou. Tem se tornado cada vez mais cauteloso em termos de investimentos, motivado em grande parte pelo risco de uma pandemia de ebola e de grupos terroristas cada vez mais radicais, causando medo e incerteza na população e nos países em geral.
Apesar de ser uma nação jovem, vista como cordial e disposta a ajudar, o país não é perfeito e passa por problemas como qualquer outro. A população reclama dos seus governantes, sofre por causa do desemprego, é vítima e algoz da violência e da intolerância. Você pode até mesmo dizer: “Ha! Mas eles não sabem o que é ruim! Queria ver terem a minha vida!” E esse é exatamente o ponto. Eles não viveram. Por outro lado, eles não se importam de pedir desculpas e de buscar soluções. Talvez cheguem a soar ríspidos e nada amigáveis pra você, mas talvez eles também pensem assim sobre nós. Mesmo com um sistema de saúde eficaz, ótima educação e um nível de segurança que muitos sonhariam ter, a realidade do canadense foi outra. Não foi a sua, não foi a minha.
Eu, como canadense, vou fazer a minha parte. Viver de acordo com os valores que eu jurei obedecer e lutando para que este continue sendo o lugar que eu escolhi; sempre buscando aprender e melhorar, valorizando a igualdade entre as pessoas e o respeito à opinião; servindo de exemplo para tantos outros e sendo capaz de aprender com meus erros e principalmente com o dos outros.
Cabe a cada um descobrir seus próprios parâmetros, decidir o que acha melhor para si e tomar suas próprias decisões. Eu espero que você também faça a sua parte quando colocar seus pés aqui, no nosso lar. E se apesar de tudo isso, eu acabar lhe ofendendo ou errando com você, minhas sinceras desculpas. Eu acho que tenho o direito de errar também. Afinal, até o nome deste país começou um dia como grande mal entendido.
Fontes http://www.thestarphoenix.com/business/Canada+climate+policy+hasn+resulted+energy+super+power/10285206/story.html http://www.straight.com/news/david-suzuki-oilsands-and-pipeline-debates-hindered-lack-canadian-energy-plan ttp://www.huffingtonpost.ca/2014/10/15/interprovincial-migration-canadan_5990378.html http://oilsandstruth.org/david-suzuki-tar-sand-wealth-comes-environmental-costs http://www.huffingtonpost.ca/2014/11/06/jobs-by-province-and-industryn_6110304.html http://www.thestar.com/news/canada/2014/01/28/does_canadareallyhavebestjob_creationrecord_ing7.html http://www.huffingtonpost.ca/2014/11/24/inflation-canada-highest-developed-world_n_6214672.html