Perfil para imigração: ter ou não ter?

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Enquanto alguns acreditam que é preciso ter “perfil para imigração”, outros acreditam que basta uma boa prepação para ser bem sucedido no desafio. Preparar o bolso, o psicológico, a estratégia. Mas… Às vezes acontece de a pessoa se preparar muito bem e, ao chegar aqui….. bem, aquilo que ela já sabia que ia encontrar (e para a qual se preparou), não ressoa bem dentro dela. Então, todo aquele planejamento e preparação mostram-se insuficientes. Ou inadequados. Havia algo lá dentro que a pessoa não conseguiu alcançar, nem mesmo se preparando bem.

Embora não seja muito frequente, é comum a gente se deparar aqui com pessoas que tem muita dificuldade em dar rumo à nova vida de imigrante. E quando eu falo dar rumo, não estou me referindo a pessoas que tiveram dificuldade de encontrar um emprego dentro de sua área de atuação. Também não falo daquelas que tiveram que pegar um emprego qualquer (em geral, por não ter a fluência no idioma exigida para os cargos compatíveis com sua experiência). Estou me referindo a pessoas que nem sequer conseguem procurar emprego. Ficam paralisadas. Os dias passam, e nada acontece na vida destas pessoas. E aí a gente se pergunta: será que essas pessoas têm aquilo que chamamos de “perfil para imigração? Eu tenho minhas dúvidas.

O buraco é mais embaixo

Apesar de, claro, não ser algo desejável, é interessante observar esse fenômeno. As pessoas planejam, ficam animadas, desejam fortemente imigrar para outro país. No entanto, quando chegam aqui, percebem que “o buraco é mais embaixo”. E aí, claro, você pode ter muitas reações diante da realidade que encontrou.

Uma delas é você enfiar a cara e ir fazer o que tem que ser feito. Se precisa arranjar um emprego, você pega e vai. Você se expõe, você fala com pessoas. Você pode até ter medo. Mas o seu medo não te paralisa. Você sabe que tem que seguir em frente e vai.

Muitas vezes o seu inglês é fraco, você mal consegue se comunicar. Mas dentro de você há uma força motriz que faz você seguir em frente – mesmo que seja aos trancos e barrancos. E, aos poucos, por ter coragem de se expor, por aceitar falar inglês mesmo sem saber, você vai aprendendo, vai melhorando, e alguns meses depois, você percebe que evoluiu muito, cresceu, aprendeu. Aquilo que era tão difícil no começo, já não é mais. Que satisfação!

No entanto, nem todas as pessoas têm essa força interior, essa energia vital, que as faz seguir em frente, seja em que condição for. Algumas (muitas?) chegam aqui e simplesmente empacam. Geralmente, isso acontece quando a pessoa tem algum tipo de suporte com o que contar (ao menos, foi assim com os casos que vi ou ouvi). Alguns imigraram em casal (com ou sem filhos), outros têm uma reserva muito boa e não precisam se incomodar com o fator financeiro (sim, estes casos existem).

Quando isso acontece, a pessoa tende a se esconder para não enfrentar os desafios da imigração. E com isso, a pessoa só dificulta ainda mais a sua adaptação.

Nada se encaixa

Você mesmo já deve ter ouvido algum caso parecido: aquela pessoa que veio para cá, e que diz que vai procurar emprego, mas na verdade não toma as ações necessárias para isso acontecer. Não busca ajuda dos órgãos que dão orientação aos profissionais recém-chegados. Não faz uma pesquisa forte por vagas de trabalho. Não estuda as empresas para as quais gostaria de trabalhar. Prepara um Résumé, mas não tem tanta preocupação em fazer tudo de acordo com os padrões canadenses. Muitas vezes, nem mesmo um perfil no LinkedIn a pessoa tem. Não aplica para as vagas de trabalho. Ou, às vezes, até aplica, mas faz uma escolha tão rigorosa, que praticamente não surgem vagas nas quais aquela pessoa se “encaixe”.

E aí quando você pergunta como tudo está, a pessoa diz que está difícil, que não encontra nada na sua área. E você sugere que comece com algo mais simples, mas aí a pessoa fala que o inglês não está bom, não é fluente, etc, etc… É impressionante como nada funciona para essa pessoa!

É impressionante, também, perceber como estas pessoas tem uma enciclopédia imensa com mil e uma justificativas para o fato de nada evoluir para elas aqui.

Movimente-se

E aí você sugere então que a pessoa faça um curso de inglês, ou um curso qualquer, alguma coisa que a faça se movimentar. E aí a pessoa diz que vai procurar. Mas o mais interessante é que, depois de um tempo, você volta a falar com aquela pessoa e ele lhe disse que não achou um bom curso de inglês para fazer. Acredite: já vi casos em que a pessoa disse não encontrar um bom curso de inglês no Canadá! Ou o problema é o horário, ou é a distância, ou é escola que não é boa. É espantoso que alguém não consiga encontrar um bom curso de inglês aqui… Ou, ainda: a pessoas que falam que não encontraram um bom curso (de formação) para fazer. Ou seja: nada se encaixa ao perfil daquela pessoa. Nada.

E aí você começa a perceber que, na verdade, a pessoa está tentando se esconder, para não enfrentar os desafios da imigração. Só isso.

Bola de neve

O problema é que quanto mais essa pessoa se esconde, mais difícil fica para ela se adaptar. Muitas vezes, passam-se meses sem que aquela pessoa se mexa. Sem que tome uma atitude, sem que busque um emprego, um curso, alguma coisa que a ajude a se integrar. E isso torna-se um círculo vicioso, uma bola de neve.

Em algum momento, alguém ou alguma coisa, vai ter que agir para quebrar esse círculo. Algumas pessoas voltam para o Brasil. Outras ficam aqui. E vão passando-se os dias, até que alguma coisa com força maior as coloque em movimento novamente. Há algumas que ficam anos vivendo aqui sob a sombra de alguém. Não saem para fazer quase nada sozinhos. Não querem se expor. Têm medo de ir ao médico e não saber o que falar (por exemplo). Fazer ligações telefônicas então? Nem pensar! (Em tempo: falar ao telefone é um pesadelo para quase todo recém-chegado… Mas a gente toma coragem e fala, não é?)

Vontade x perfil

Quando eu olho casos como estes, eu me pergunto se estas pessoas tinham perfil para imigrar. Alguns tinham vontade, isso é certo. Outros, foram convencidos por alguém que tinha vontade. Mas, mesmo que tenham tido vontade, talvez eles não tenham algumas características necessárias a quem deseja imigrar.

Se você quer ir para outro país, você não pode ter medo de se expor e de cometer erros ao falar o idioma deles. Quanto menos medo de falar você tiver, mais você vai aprender.

Você tem que saber que você vai ter que reconstruir sua identidade, tanto pessoal quanto profissional. Você precisa saber o que significa deixar de ser o profissional ABC da empresa XYZ e passar a ser alguém de quem nunca ninguém nem ouviu falar. Você precisa saber que suas “referências” do Brasil, aqui, não valem nada. E que aqui você vai ter que começar a construir, do zero, uma rede de contatos pessoais e profissionais. E que, para isso, você tem que se expor. Não tem jeito, minha gente. Tem que se expor!

No entanto, justamente por não ser conhecida aqui, talvez essa pessoa tenha que aceitar a começar por um emprego mais simples, que não requeira um alto nível de inglês. Infelizmente, há pessoas que não conseguem aceitar. Ou tem medo, inclusive, de se expor a este emprego mais simples. Não é fácil. Todos sabemos que não é. Só que se a pessoa não se expuser, ela vai ficar empacada no mesmo lugar que estava quando chegou. E quanto mais o tempo passa, mais frustrante para esta pessoa é perceber que as coisas não evoluem para ela aqui.

Seguro e protegido

Quando vem o casal e um dos dois se adapta bem, acaba sendo mais fácil para o outro se manter quietinho, sob o teto seguro que o cônjuge mantém de pé. Já se a pessoa vem sozinha, não lhe sobram muitas alternativas: ou enfia a cara e vai; ou volta para o Brasil. E aí, quando isso acontece, um universo variado de explicações pode ser usado. Eu, pessoalmente, nunca vi ninguém dizer: “olhe, eu voltei para o Brasil porque eu não tenho perfil de imigrante. Eu não tenho coragem de me expor, eu não aceito ter que construir tudo do zero. Eu quero chegar lá e já ser alguém“. Eu nunca vi. Geralmente, a pessoa vai achar um monte de “problemas” no país para onde imigrou, para justificar o fato de não ter se adaptado. (Tem gente que volta por outros motivos; não é destes que estou falando aqui).

No entanto, muitas vezes (não todas, claro), o que faltou mesmo foi uma motivação interna, uma gana maior de fazer as coisas acontecerem. Uma coragem de dar a cara a tapa sem se importar se vai doer. Vai doer. É certo que vai. Só que se você não tiver essa coragem, você não sai do lugar. E aí, seu plano de imigração pode acabar indo por água abaixo….

Perfil para imigração x preparação psicológica

É por isso que a gente insiste tanto na tecla da preparação psicológica para quem quer imigrar. Esta reflexão aqui faz parte dela e é fundamental para que o seu plano dê certo. Por isso, a cho válida a reflexão tanto para quem quer vir, quanto para quem já está aqui: você tem essa coragem de se expor? Você consegue aceitar que vai ser ninguém durante um tempo da sua vida, até conseguir formar novas conexões pessoais e profissionais? Você aceita que talvez precise começar de baixo, até reconstruir uma nova identidade no novo país? Ou você é aquela pessoa que se fecha e fica sem iniciativa diante deste tipo de dificuldade?

Não tomemos como verdade que imigração é possível para todos. Não acreditemos que tudo se resume, apenas, a um período de adaptação. Alguns têm perfil. Outros não têm. Alguns que não têm perfil conseguem encontrar uma maneira de se ajustar e passar a ter. Mas temos que reconhecer que não é assim para todos. Há, sim, pessoas que não tem perfil e ponto. Por que será que é tão difícil aceitarmos isso?

Por isso, vale sempre dizer: Pare. Pense. Reflita. Será que imigração é mesmo para você?

E você, conhece casos assim? Conte-nes, deixe seu comentário! Sua história pode ajudar a muitos que nos leem aqui. 🙂

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PoDeixar #171 – O Canadá não é para você

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