Ir pra outro país é fácil – O Retorno

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Salut encore!

Você chegou até aqui?! Depois de ler todo o primeiro post?! Ótimo! Esse é o momento de algumas revelações, a integração e a nova vida! Espero que tenha um dogão aí com você porque tem textão de novo! hahahaha…

Você tem sorte de morar aí!

– Viu como é fácil?! – Se eu tivesse as mesma oportunidades que você, eu também estaria aí! – Nossa! Foi rápido hein?!

Essas são algumas frases (bem desagradáveis, diga-se de passagem) que ouvimos quando chegamos em um novo país. Se você leu o primeiro post inteirinho, já sabe que não foi fácil, que não é uma simples oportunidade – precisa de muito esforço -, e que não foi, nem um pouco, rápido! Para quem olha de fora e não participa diretamente de todo processo não vê quanta dedicação, suor, luta, decepções e alegrias foram passadas para a realização desse projeto.

Querendo ou não, o processo para a residência permanente é relativamente seguir o manual. Não há segredos nessa parte. A imigração de verdade só começa quando coloca-se os pés do outro lado da fronteira, com um documento chamado Confirmação de Residência Permanente (CRP ou IMM 5688, para os mais técnicos). Este documento é como uma certidão de nascimento do imigrante e só se recebe ele ao fim de todo processo.

 com a vida ganha agora!

O nosso casal chegou no Québec! E agora?  com a vida ganha? Nada! É hora de mais trabalho! Ele foi assinar seu contrato de trabalho definitivo no dia 2 de abril de 2013 (por que se fosse no dia 1 seria mentira) e ela correu para se inscrever na francisação. Um curso dado pelo governo da província do Québec e pelo MIDI para os imigrantes recém-chegados. É preciso conseguir uma vaga e ter um nível de francês abaixo do B2, que é, geralmente, testado em uma entrevista para colocar a pessoa no nível certo.

Ela com seu francês praticamente no zero estava bem feliz em poder aprender direto em imersão. As vantagens da francisação não são apenas a aprendizagem do francês, mas também sobre a cultura, costumes, história do Québec, assim como inclui dicas e informações sobre a cidade onde o curso é dado e outras coisinhas mais que podem ajudar na integração e sobrevivência.

Por outro lado, aprender um idioma direto em imersão pode ser bem difícil. Os professores não falam o seu idioma e muitos dos outros alunos também não. Por vezes, ela ia dormir com dúvidas sobre o que foi ensinado, nem ele poderia ajudar, já que tudo era novo.

Começam as dificuldades

Lidar com uma nova cultura e ter que entender tudo isso é bastante estressante. E é por isso que muitos casais que chegam juntos aqui, acabam por se separar. Esse foi o caso deles. Felizmente, continuaram bastante amigos. Isso seria crucial para seguirem em frente com a verdadeira imigração.

Sem nenhuma família, amigos e num lugar totalmente desconhecido, as dificuldades são quase infinitas. Sem onde apoiar-se, esse processo é mais do que sofrido, se não, depressivo. É aí que muita gente desiste, pois percebe que realizar o sonho da imigração não é somente pedir a residência permanente, receber um papel e tá tudo lindo. É um projeto de vida que nunca termina! Tenha consciência disso.

Saudades, tristezas, lutas e alegrias

Morar em outro país é, acima de tudo, abrir mão de muita coisa em busca de uma nova realização. Não se trata de um simples processo de mudança. Então, para você que, talvez, ainda ache que “ir pra outro país é fácil”, vou citar algumas coisas que muita gente nunca notou:

SAUDADES

Esse é o sentimento que mais dificulta a imigração. Principalmente quando os imigrados são os únicos no país. Foi o caso deles! Ver a família se reunir no Natal, no Ano Novo, festas de aniversários, amigos que se casam, crianças que chegam ao mundo, sobrinhos e sobrinhas. Ver tudo isso por video-conferência nunca vai suprir o calor de um abraço. A saudade é o sentimento mais puro e é neste momento que se percebe o quanto você ama tantas pessoas que estavam ao seu redor.

Isso se estende para os momentos de alegrias que eles tiveram. Uma nova conquista, um novo emprego, um novo amor, uma nova casa. Tudo isso não passa de uma imagem vista pela tela de algum aparelho eletrônico.

NOVO IDIOMA

Eu sei que já bati nessa tecla algumas vezes, mas é para você notar que esse é um ponto crucial. Se você não souber se expressar, conversar, entender, ou seja, se comunicar naturalmente, sua vida não acontece. Para uma boa integração, é preciso uma boa comunicação. Procurar um emprego, ir no mercado, fazer amigos, contar histórias, piadas. Sem o novo idioma você jamais se integrará. FATO!

Imagine agora a tristeza que é ter que viver apenas rodeado de pessoas que falam seu idioma, em outro país. Não adianta ficar dizendo que as pessoas são fechadas e não querem fazer amizade. Para isso, eu desafio você ir até um bar da sua cidade e experimentar puxar conversa com alguém, em outro idioma que não o seu materno. Veja se é possível fazer um novo amigo e depois conte-me como foi a experiência.

CULTURA

Eles superaram a saudade e o novo idioma! Show! Conseguiram fazer algumas novas amizades e, PUF, alguém do Québec convidou-os para um churrasco. Que alegria! Eles não viam a hora de poder relembrar esse momento tão delicioso das tardes de sábado. Os amigos, a família, a cerveja, a picanha… Ops! Peraí! O que é aquilo que estão acendendo? Oi? Uma churrasqueira à gás? Cadê o carvão?

OMG!!! Eles acabaram de colocar hambúrguer na grelha! Salsicha também! E pior! O que é aquilo, meu deus?! Pimentão? Champignon? Cebola?!?!?! Como assim gente! Cadê a picanha, a maminha, o coraçãozinho!?

Pois é! Viver em outro país é abrir mão de muita coisa que você gosta, mas ao mesmo tempo, aprender a gostar de novas coisas. Não tem problema nenhum um churrasco em uma churrasqueira à gás, com legumes e hambúrgueres. Só não espere comer picanha, arroz tropeiro, virado à paulista, feijoada, coxinha, pão de queijo, caipirinha de maracujá e outras coisas, todos os dias. Em outro país a realidade da comida é outra.

Ouvir música alta no carro? Multa! Atravessar fora da faixa ou com o farol de pedestres vermelho? Multa! Tomar uma cervejinha no trajeto para a casa do amigo, na calçada, à pé! Multa! Pelo menos pode-se virar à direita no farol vermelho, quando se está de carro e evitar um pouco de trânsito. Exceto na ilha de Montréal (sim, é uma ilha), se não souber disso… MULTA!

Ir num barzinho assistir o futebol com os amigos? Acho que não. Obviamente, existem locais e grupos de brasileiros que o fazem. Mas não são mais aqueles seus amigos de longa data, de infância. Você não terá sua família para rir com você e brincar quando o time do primo perder. Tudo isso é perdido quando se muda para outro país.

EXPERIÊNCIAS QUE NUNCA TIVERAM

Esse é um ponto bastante delicado! Quando se chega em outro país, além de todos os itens citados acima, é preciso lidar com experiências completamente diferentes. Muitos dos canadenses já viajaram muito, falam ao menos 2 idiomas (não todos), alguns chegam a conhecer 4 idiomas, além do francês e inglês, espanhol e outro qualquer. A concorrência para vagas de emprego chega a ser desleal! Muitos já estudaram em ótimas escolas e universidades e juntando aos idiomas, concorrência acirrada. Adiciona à isso o fato de nosso casal ter chego no Canada como um zé ninguém.

Ninguém os conhece, eles não possuem referências, as empresas onde trabalharam, mesmo que sejam as maiores e mais reconhecidas do Brasil, no Canada não quer dizer nada. Seu idioma materno não é usado para praticamente nada. Seus diplomas não querem dizer muita coisa, a não ser que tenha estudado em uma ótima universidade dos EUA, Europa ou do próprio Canada. Universidades federais e/ou estaduais, aqui, não são conhecidas por muita gente.

A única coisa que os diferencia no mercado de trabalho são os anos de experiência, já que muitos dos canadenses estudam durante grande parte da vida antes de ter o primeiro emprego. Fora isso, não passamos de um Zé Ninguém.

VOCÊ É – E SEMPRE SERÁ – UM IMIGRANTE

Por mais que eles conquistem muita coisa, consigam um bom emprego, passem a ser reconhecidos pelos nomes, falem bem o idioma e até mesmo adquiram a cidadania canadense, eles sempre serão imigrantes.

Isso não é de todo ruim, mas é preciso viver a realidade. No mundo real, ainda existem pessoas com um certo ar de superioridade e que carrega uma forte xenofobia. Ser um imigrante é ter consigo uma grande bagagem e experiência de vida que muitos nativos nunca tiveram. Veja no Brasil. Quantos não são filhos de imigrantes italianos, japoneses, alemães, etc. E isso é maravilhoso! Mas infelizmente, tem gente que não pensa o mesmo.

Ser um imigrante é carregar um sotaque que jamais desaparecerá, por mais esforço que eles façam. Algumas vezes é até motivo de risadas. Com os amigos, sabe-se que é uma boa brincadeira e leva-se dessa forma, mas quando essas risadas vem de desconhecidos e com um certo tom de preconceito, pode causar um desconforto emocional.

3 anos para se estabilizar

Na média, a maioria dos imigrantes levam 3 anos para restabelecerem suas vidas. E é nesse exato momento, entre os 3 e 5 anos da pós-imigração que, dos 200 que estiveram naquela palestra, em 2009, restam apenas 2. Estes 2 que conseguiram IMIGRAR de verdade. Como dito ao longo dos dois posts, imigrar não se trata de fazer as malas e mudar-se para outro país, mas sim de viver essa nova vida. Trata-se de integração, de fazer parte da nova sociedade, de ser aceito, de curtir tudo que este novo lugar pode oferecer.

Imigrar não tem nada a ver com ter uma vida melhor, baseando-se nas aquisições ou no status, mas na mudança de certas atitudes, na mistura de culturas, na aprendizagem de novos idiomas, na aceitação e, acima de tudo, de se sentir em casa.

Muitos dos que tentam a imigração, desistem antes mesmo de completar os 5 anos no novo país. E isso acontece porque é muito difícil lidar com tudo aquilo que citamos mais acima. Alguns não se acostumam com o novo clima, outros porque sentem dificuldade de viver num novo idioma e muitos por causa da saudade.

Estes muitos que resolvem voltar, não conseguem ver seus sobrinhos e sobrinhas crescendo sem saber quem é seu tio ou tia. Familiares que envelhecem e partem daqui e você não estava perto para dar um último abraço e um adeus. Ver as fotos dos amigos amados se casando e começando uma nova vida. Tudo isso pode ser doloroso e apenas estes dois que conseguiram a imigração conseguiram superar tudo isso. Mesmo que a saudade esteja muito presente, eles sabem que faz parte da imigração.

5 anos e uma cidadania depois…

Após a separação, eles continuaram muito amigos. Como contado antes, eles só tinham a eles mesmos em quem se apoiar. Ela, hoje, com seu namorado e um filhinho – que seus pais veem crescer por vídeos, fotos e Skype. Ele, com sua namorada, segue a vida com muita alegria. De vez em quando eles se encontram para contar histórias, relembrar toda a dificuldade da imigração, tristezas, saudades e vitórias. Todos, muito amigos.

Ela continua sendo residente permanente, mas em busca de adquirir a cidadania assim que possível. Ele se tornou cidadão canadense no dia 25 de abril de 2018.

9 anos se passaram e uma revelação

É isso aí! Entre o início de um projeto de vida, em 2009, e a cidadania canadense em 2018 foram exatos 9 anos! Isso mesmo! 9 ANOS!!! Se chegar até aqui na leitura destes 2 posts, você ainda considera que “ir para outro país é fácil” eu diria:

Então o que você está esperando para mudar de vida?

Mas se este text(ã)o fez você refletir e mudar de ideia, dê um abraço bem apertado naquele seu amigo que está pensando em imigrar. Diga àquele seu familiar que o ama muito, que deseja-o muita sorte e que estará sempre lá para o que ele precisar. Afinal, você não sabe quando o verá novamente!

E já que chegou até aqui, vale revelar que essa é a história da minha vida. Eu resolvi contar ela em 3ª pessoa para não criar um pré-conceito de tudo que aqui foi escrito. Para os que já me conhecem, provavelmente já sabiam de quem se tratava, já que tinham tantos detalhes que me denunciaram.

Conclusão

Não há uma conclusão exata. Cada um tem uma experiência de vida e somente você, vivendo tudo isso, poderá escrever essa história. Espero que ela possa ser uma história de muita superação, alegria, sucesso e realizações. Que a saudade se transforme em um sentimento de amor e que ninguém, jamais, tire suas esperanças de realizar esse sonho chamado IMIGRAÇÃO!

Bon appétit, bonne chance et à la prochaine! (Bom apetite, boa sorte e até a próxima)

Ps.: Minha família, assim como a dela, nos deram esse abraço apertado e caloroso, nos apoiaram com muito amor e carinho, nos desejaram boa sorte. Meu nonno (lembro de cada palavra) disse:

Há muitos anos atrás eu estava fazendo o mesmo que você. Eu sei o quanto é difícil, mas o quanto pode ser maravilhoso. Te desejo muito sucesso, meu neto!

Já o meu pai, doido como sempre, quando eu estava entrando na área da revista pra sala do embarque gritou:

VAI LÁ CIDADÃO DO MUNDO!!!


Glossário deste post

  • MIDI – Ministère de l’immigration, diversité et inclusion (Ministério da imigração, diversidade e inclusão);
  • PUF – onomatopeia de algo que apareceu do nada;
  • OMG – Oh my god! (Oh meu deus).