Indesejada no Canadá

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Indesejada no Canadá

No Canadá Agora nós recebemos várias mensagens de vários tipos. Pessoas com dúvidas sobre a vida no país, pedindo conselhos sobre como imigrar, buscando estratégias ou mesmo elogiando e criticando o nosso trabalho. Todas elas são muito bem vindas por nós.

São histórias de pessoas normais, com sonhos e projetos que respeitamos e buscamos aconselhar da melhor maneira possível. Esta é a história de uma dessas pessoas e como as coisas deram terrivelmente errado para ela. Todos os nomes de pessoas e empresas foram removidos para não afetar os envolvidos.

Nosso muito obrigado por compartilhar esta história conosco. Desejamos muito sucesso e esperamos sinceramente que um dia tudo isto se resolva para você.

Correndo atrás dos sonhos

Fui para Toronto no dia 27/11/16 para uma feira de arquitetura e design. Já conhecia Toronto porque fui em abril do mesmo ano fazer 1 mês de preparatório para o IELTS.

Da primeira vez, fui pela por uma agência de intercâmbio. quando voltei para o Brasil, eles me deram aquela injeção de ânimo pra voltar, fazer um college e tentar o processo de imigração. OK! Eu achei certo porque profissionalmente tem ficado cada vez mais complicado pra todo mundo.

Preparei meus papéis e em agosto tentei tirar o visto de estudante. Chegando no escritório que representa o consulado, a moça perguntou pelo meu PATHWAY. Eu não tinha ideia do que era isso. Entrei em pânico e a agência me sugeriu fazer o IELTS imediatamente porque supriria esse PATHWAY. Além disso, eles recomendaram que eu procurasse uma advogada (indicada por eles mesmo) em Toronto e desse início à mudança de visto dentro do Canadá.

Fiz o IELTS. Tirei 6 e o college que eu faria disse que era desnecessário em termos de burocracia pra eles. Mas sem problemas.

Chegou novembro. Embarquei e fui para a feira. Como eu já havia morado um tempo em NY e amo esse lugar, não vi problema em passar a semana de natal e ano novo por lá, até porque tenho amigos. Já havia tempo que não os via e era o 1º fim de ano que eu passaria sozinha. Não queria ficar tão triste nessa época.

Fui pra NY no dia 23/12/16 de trem (AMTRAK). Já tinha tido uma consulta com a advogada de imigração e tinha até o exame médico marcado para a primeira semana do ano. Estava tudo certo! Passei pela imigração americana sem problema algum e fui ser feliz em NY.

Entrada negada no Canadá

No dia 28/12 tive uma infecção intestinal com vômito e diarréia. Eu fiquei tão mal que a sensação era de morte mesmo. Minha pressão, que normalmente é, baixa ficou anã! Acabou com minha viagem porque já não conseguia mais sair.

Cheguei inclusive a acionar o meu seguro saúde. Eles disseram que estariam enviando um médico para o local onde eu estava mas estou esperando por ele até hoje.

De volta marcada pra Toronto no dia 01/01/17, encaro o trem mesmo estando fraquíssima. Chego na imigração canadense em Niagara Falls mas o trem não parou numa plataforma. Ao invés disso, o lugar tinha uma escadinha estreita, desconfortável e muito pouco prática.

Na hora de descer fiquei tonta porque eu já não estava bem e saí rolando escada abaixo. Bati a cabeça no chão com tanta violência que perdi os sentidos por um tempo e uma pedra acabou presa na minha perna. Era tanto sangue que parecia que meu corpo está vazando todo por ali.

Nada de “excuse me” ou “I am sorry”

O pior foi a reação dos oficiais. Nenhum deles me socorreu com o argumento que não podiam tocar em mim. E eu tive que ficar ali, sem nem um médico pra ver minha condição. Segundo eles eu me joguei da escada e que deveria estar escondendo alguma coisa.

Eles abriram a minha mala e a minha mochila. Revistaram tudo e tirando remédio pra diarréia e Dramin, obviamente não encontraram nada. Insatisfeitos, resolveram revirar tudo outra vez. A oficial mandou que eu desbloqueasse meu celular. Olharam todos os aplicativos, inclusive todas as minhas mensagens enquanto eu continuava a sangrar e a passar mal.

A oficial da imigração manda o trem seguir viagem e disse que eu ficaria no local. Chama uma segunda policial que chega e pergunta se eu preciso ser algemada. Nessa hora eu vi que minha situação era grave.

Horas de terror

A oficial me leva pra outro local a uns 10 minutos de onde eu havia desembarcado. Lá estavam também gente que foi pega com drogas, dirigindo alcoolizada, suspeitos de terrorismo, etc. E lá eu tive que esperar até um oficial ter a boa vontade de pegar meus documentos e ver minha situação.

Foram mais de 5 horas nesse local.

Eles me fizeram toda a espécie de pergunta. Eu estava desgastada! Sentia que iria desmaiar a qualquer momento. Cansada e já sem esperança, pedi ao oficial pra me liberar. Disse que não queria ficar nem mais um dia no Canadá. Digo que todas as minhas coisas estão em Toronto, inclusive meu computador. Mas parece que expliquei minha situação em vão.

Ele me olhou com olhar desconfiado e perguntou de maneira incrédula porque eu tenho um computador e o que tenho nele. Na hora só me veio à cabeça: “quem hoje em dia não tem um computador?!” mas respirei fundo e respondi como pude. Expliquei que todos os projetos dos meus clientes no Brasil foram feitos nesse computador e que nele eu guardava também arquivos da minha antiga profissão.

Descreditada e ignorada

Achei até que ele estivesse tirando sarro da minha cara porque a expressão que ele fez quando falei que tinha um computador foi a pior possível. Por fim ele diz que está em dúvida. Não sabe se me manda de volta para os EUA ou pra Toronto. Afinal, por que eu voltaria para os EUA se todas as minhas coisas estavam em Toronto?!

“Não dá pra acreditar em você. Ninguém larga uma profissão boa assim pra fazer design!”

Oi!? Eu larguei! E até onde sei, isso é minha vida pessoal e só diz respeito mim! Não é algo pra ser discutido em fronteira!

Finalmente consegui ser liberada para Toronto. Ele grampeia um papel no meu passaporte me dando 1 semana pra sair do Canadá. Perguntei como ia fazer pra voltar pra Toronto já que não tenho ideia de onde estava. A resposta dele não foi nada reconfortante. Ele se vira pra mim e solta um sonoro “se vira! Isso não é problema meu! Vai pro meio da estrada que tem ponto de ônibus”.

Em busca de ajuda

Consigo um taxi, sou assaltada (não literalmente, por sorte), mas chego em Toronto.

O dono da casa onde estava não consegue acreditar na situação. Era uma homestay de um canadense, um senhor de idade que não hesitou em me ajudar. Ligo pra minha família no Brasil e eles providenciam a minha volta o mais rápido possível.

No dia 02/01/17, a minha família foi ao Itamaraty pedindo auxílio porque eu estava muito assustada e debilitada. Era feriado no Canadá mas um rapaz do consulado me ligou dizendo que o caso necessariamente precisava passar por eles. Aquele episódio não poderia passar em branco de maneira alguma. Ficou combinado que no outro dia cedo eu iria ao consulado e que uma equipe já estaria à minha espera e por dentro do caso.

Ainda sem conseguir andar muito bem, saí de casa cedo na esperança do atendimento prometido. Chegando no consulado uma senhora (que se identificou como vice-cônsul) atrás de um guichê de vidro pergunta qual era o meu problema. Tentei ser sucinta na minha história mas ela muito grosseiramente mandou eu entrar e explicar melhor numa sala.

Destrinchei tudo outra vez. Secamente ela vira pra mim e pergunta: “e qual o problema disso? Não vi nada de errado. Saiba que o dever do consulado é emitir documentos e atuar em caso de prisão ou de morte, mais nada”. Eu saí, liguei para a minha família e contei do meu encontro. O consulado brasileiro entrou em contato com Toronto e pediu que eu voltasse para ser atendida novamente.

Depois desse vai-e-volta, quem me atende no consultado foi a mesma senhora da primeira vez. Segundo ela, tudo que se passou comigo foi muito NORMAL. Eu revidei. Disse que normal não era, mas talvez fosse comum.

Depois dessa conversa, ela disse que às 5pm estaria com o motorista na porta de casa para me acompanhar ao aeroporto.

Vários nós na garganta

No horário combinado, o motorista chegou acompanhado da funcionária do consulado. Eu parei de mexer no celular, dei boa noite mas não tive resposta. O motorista começou a dirigir e ela diz: “você fica sabendo que eu não vou poder fazer muita coisa pra te ajudar não”. Tudo bem. Depois da nossa conversa de manhã eu não esperava por nada mesmo.

No caminho, ela vai falando o quanto o Canadá é um país correto, ao contrário do Brasil. “No Brasil a polícia é toda corrupta. Saem matando as pessoas desenfreadamente. As crianças já nascem na prostituição, usuárias de drogas”, palavras dela.

Eu ouvi tudo calada. Fiquei pensando: “eu até respeito ela ter essa opinião pessoal do Brasil. Mas no cargo que ela ocupa no consulado, ela não deveria falar assim. Isso é antiético. Que profissional é essa?” Apesar disso, ela continuou.

“Você sabe quem projetou Brasília, aquela cidade horrorosa? Porque é muito mal planejada. O Itamaraty é um prédio extremamente mal projetado, a Esplanada dos Ministérios é um erro”.

Isso me fez explodir. Eu sou fascinada por artes e arquitetura. Como não podia deixar de ser, sou apaixonada pela obra de Oscar Niemeyer, Lucio Costa, Athos Bulcão, Burle Marx. Como assim?! Não aguentei. Tive que mandar ela estudar um pouco mais antes de falar aquele tanto de asneira.

Um retorno amargo e mais decepções

Estávamos na fila do check in quando uma moça que estava na minha frente desmaiou. Eu levei um susto! Quis ajudar mas a vice-cônsul disse: “Não ouse tocar nela! Aqui no Canadá, ninguém toca em ninguém!”

Ela ficou jogada no chão por mais de 1 hora. Ninguém apareceu pra aferir o pulso da moça, o batimento cardíaco, nada! Como o Canadá, país tão desenvolvido prega isso de deixar a pessoa jogada no chão sem ninguém verificar se ela ainda está respirando

E assim já se passou 1 mês e o Itamaraty não se pronunciou perante aos fatos.

O resumo até o dia de hoje

Pra conseguir fazer essa viagem, pagar college, pagar advogada, etc., tive que vender o que tinha e o que não tinha. Tudo ralo abaixo! Só de seguro paguei US$ 5.000,00 ainda no Brasil e foi praticamente dinheiro jogado fora. Até hoje estou esperando o atendimento médico.

Tive que procurar um médico particular no Brasil para ver minha condição. Meu trauma psicológico é ainda maior do que o físico.Toda vez que falo ou escrevo sobre o ocorrido, me dá um ataque de pânico, algo que nunca tive na vida. A depressão por ter perdido tudo é fortíssima. Tenho que consultar um psiquiatra e não consigo dormir sem remédios.

Dia 28/12 até o dia que voltei (03/01) devo ter perdido uns 8kg.

Os oficiais do Canadá grampearam um papel no meu passaporte que foi retirado antes do meu embarque. Não sei se ficou algo registrado no sistema. Meu receio é ter “sujado” meu histórico. E se por exemplo eu quiser dar entrada em um visto para Austrália, será que isso vai me atrapalhar? Nós tentamos uma resposta do Itamaraty mas até agora eles se isentaram de tudo.

Eu acredito que muitas pessoas devam saber que imigrar pro Canadá não é tão simples quanto à mídia tem publicado. Muitas vezes a imigração é cruel e você descobre que não pode contar nem com o consulado do seu país pra nada.

Atualização

Entramos em contato com o Consulado Brasileiro em Toronto buscando um parecer sobre o ocorrido. Em resposta ao nosso email, o consulado se pronunciou com a seguinte resposta:

Lembro do caso dessa senhora. Não tive contato direto com ela, mas, pelo que meus colegas narraram à época, ela estava desorientada e veio em busca de um apoio do Consulado, mas, quando chegou aqui, não soube explicar o que queria. Só dizia que queria “apoio, apoio”.

Às vezes as pessoas têm a expectativa de que o Consulado as ajudará a regularizar sua situação imigratória, mas, infelizmente, não podemos interferir nesse processo junto ao governo canadense. Mesmo alguns de nós, funcionários do consulado, temos nossas histórias de dificuldade nesse campo.

Prestamos na época o apoio necessário, visto que a mãe dela pediu que garantíssemos o embarque da moça: enviamos o carro com a vice-cônsul ao aeroporto. Trata-se de procedimento bastante excepcional, que fizemos porque vimos que ela estava emocionalmente abalada.

Na verdade, não temos relação alguma com a frustração dela com seus planos de viver no Canadá; ela apenas decepcionou-se conosco porque não obteve a assistência do Consulado para algum objetivo que ela imaginava, mas não soube nos explicar qual era.