O “glamour” da vida do imigrante

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O glamour da vida do imigrante

Quando alguém vem morar fora do Brasil, aqueles que continuam por lá ficam imaginando a vida maravilhosa que o imigrante vai passar a ter. Parentes e amigos pedem notícias, fotos, vídeos, querem acompanhar de perto todas as aventuras e todo o glamour da vida do imigrante. Parece até que, em vez de emigrar, a pessoa comprou um pacote de férias vitalícias, com tudo pago, para a Disney. O imigrante parece até ter sido promovido a uma categoria de celebridade, que desperta a curiosidade e, às vezes, até a inveja de muitos que ficaram no Brasil.

Canais de YouTube e páginas nas redes sociais acabam por reforçar esta visão romantizada da vida do imigrante, porque, em sua maioria, mostram principalmente o lado bom, os passeios, as maravilhas da vida vivida fora do Brasil. Muitas das pessoas que moram no exterior, como aliás (quase) todo mundo que tem perfil em redes sociais, postam somente fotos e comentários das coisas espetaculares daqui. No entanto, esta visão idílica da imigração não corresponde à realidade. Muito pelo contrário: a vida de todo imigrante é bastante dura e cheia de novos obstáculos a superar.

Em busca de informações sobre a vida real

Quando eu fazia minhas pesquisas antes de decidir vir estudar, fiz uma busca intensa por materiais que falassem sobre o lado ruim da imigração, sobre as dificuldades que as pessoas encontram e o que é que as fazem desistir e voltar para o Brasil. Eu queria muito saber o quão difícil poderia ser viver fora da minha terra natal, porque eu não queria chegar aqui e me arrepender da minha escolha. Alguns vídeos que encontrei eram de pessoas que voltaram para o Brasil contra a sua vontade e estes, devo dizer, não eram exatamente o tipo de coisa que eu buscava. Mas, fora estes, encontrei alguns outros textos, vídeos e podcasts falando sobre o lado escuro da imigração e, principalmente, das dificuldades da vida nas geladas terras canadenses.

No entanto, o que percebi, é que pouco se publica e pouco se fala sobre o dia a dia comum do imigrante. Resolvi, então, escrever este texto, contando como é, em linhas gerais, a vida de quem optou por viver fora do país. Acho que é importante que se desmistifique um pouco essa ideia que as pessoas têm de que o imigrante tem uma vida cheia de glamour – ou, no mínimo, cheia de coisas inéditas e sensacionais que acontecem, no mínimo, a cada final de semana. Minha intenção aqui não é desmotivar ninguém. Pelo contrário: acredito que se a pessoa vem bastante consciente do que vai encontrar, isso facilitará sua adaptação e aumentará as chances de sucesso do seu plano de imigração.

Fazer compras no supermercado: puro glamour

Por mais espantoso que possa parecer, a vida de um imigrante é muito parecida com a vida de quem ainda mora no Brasil. Aqui, como aí, temos que acordar cedo todos os dias para trabalhar ou estudar. Temos que ir ao supermercado, fazer compras e carregar tudo para casa. Aliás, eu diria que fazer compras mostra bem como é o glamour da vida do imigrante: eu, por exemplo, vou todos os finais de semana ao supermercado levando um carrinho (de feira) para poder trazer as compras. Como só posso ir uma vez por semana ao supermercado, meu carrinho volta cheio, muito cheio. Isso significa que eu, toda semana, venho para casa empurrando um carrinho que pesa uns 20kg ou mais. Já pensou isso tudo tendo que ser empurrado na neve? Os 20kg acho que se transformam em 50kg, simplesmente porque a rodinha afunda e trava no gelo. Uma maravilha! E quando está ventando contra você? É um exercício e tanto! Nestas horas me pergunto: para quê fazer academia? Nem precisa! Esforço bruto a gente faz ali mesmo, ao trazer a compra para casa. Por causa das minhas comprinhas semanais, já destruí 3 carrinhos e estou no quarto, que é um modelo reforçado e aguenta 120 kg. Ainda vou fazer a prova de “fogo” dele na neve e depois conto para vocês como ele se saiu nos testes.

A faxina que é feita toda sema… ops, quando não der pra postergar mais

Outra coisa que mostra o glamour da vida do imigrante: limpar a casa. Alguns já estabelecidos há mais tempo por aqui, podem se dar ao luxo de contratar uma faxineira para estas tarefas, uma ou duas vezes por mês. Isso porque faxineira aqui custa caro. Aqui em Toronto, uma hora de faxina custa em média $25 dólares. Quem acabou de chegar dificilmente está em condições financeiras de ter este gasto e, por isso, faz por si só a limpeza da casa: lava a banheira, o vaso sanitário, limpa o chão, passa aspirador, etc. É ou não é uma vida cheia de glamour? Eu, podendo ou não pagar, prefiro o padrão norte-americano onde cada um limpa sua casa. Não que eu goste de limpar a casa – não, não gosto – mas a relação patroa-empregada sempre foi algo desconfortável para mim no Brasil.

We love Ikea (mas não gostamos de carregar peso)

Uma outra coisa que deixa a todos muito animados é a compra de móveis na Ikea! Comprar móveis pode ser legal e algo empolgante para muita gente, mas…. E carregar os móveis nas costas, sozinho? Pois foi o que eu tive que fazer, e mais do que uma vez. O meu sofá, por exemplo, tive eu mesma que pegar da prateleira e colocar no carrinho, colocar na van e descarregar aqui em casa. Claro, não é um sofá muito grande e fui até conferir o peso do bichinho por curiosidade: módicos 35kg. Depois de toda essa maratona, a gente ainda tem que encontrar disposição – muita – para montar tudo o que comprou. É algo super cansativo, não dá para dizer que não. E só lembrando que, quando a gente for se mudar, novamente teremos que carregar tudo por nossa própria conta. Mas aí, como a gente já vai ter mais tempo de Canadá, vamos chamar uns amigos fortes para nos ajudar.

No caso da Ikea, a loja tem serviço de entrega, montagem e até de ajuda para pegar os móveis dentro da loja. São todos serviços pagos, mas que hoje eu já considero que valem a pena, principalmente quando você tem uma casa inteira para mobiliar. Então, se você está vindo para cá e vai ter que comprar tudo novo para seu apartamento, pense nessa possibilidade. Para quem vai apenas montar um ou outro móvel, aí já acho mais tranquilo fazer por conta própria. Para quem gosta de brincar de Lego, montar móveis da Ikea pode ser uma diversão!

Lavando roupa: mais um exemplo de puro glamour

Outra coisa que mostra todo o glamour da vida do imigrante é fazer o laundry – ou seja, lavar roupa. Aqui no prédio onde moro, por exemplo, a lavanderia é comunitária e fica no térreo. Nem todos os apartamentos são assim – aliás, muitos apartamentos mais novos já estão vindo com máquina de lavar e secar dentro do próprio apartamento. No entanto, como o prédio onde moro é mais antigo, a lavanderia é compartilhada. Não chega a ser um problema, se a sua vizinhança for organizada e cuidar para que as máquinas estejam sempre limpas. No entanto, tem gente que tem pets e, por isso, você pode se deparar com uma máquina cheia de pelos de animais. Eu não sei se tenho sorte, mas nunca tive problemas assim aqui (e, no meu prédio, para ser honesta, quase não há pets). No entanto, já vi gente reclamando de sempre encontrar máquinas sujas quando ia lavar a roupa. Alguns amigos chegaram a se mudar do apartamento onde moravam porque não suportaram as condições de higiene do edifício onde alugaram o primeiro apartamento.

Ônibus e metrô lotados – aqui também tem

O glamour da vida do imigrante passa também pelas coisas mais corriqueiras e simples do dia a dia, como pegar ônibus e metrô lotados em horário de rush. É bem verdade que aqui no Canadá, ao menos, as mulheres não precisam se preocupar em serem assediadas dentro do transporte público como acontece no Brasil. Só isso já é um alívio e tanto! Mas sim, andamos em pé no ônibus. E, sim, muitas vezes está lotado. E, sim!, algumas vezes a pessoa que está do seu lado parece não tomar banho há dias e nem mesmo se digna a usar um mísero desodorante. É ou não é um glamour esta vida de imigrante?

Não se iluda

Então, você, que ainda está no Brasil e pretende imigrar, não se iluda. O imigrante não é uma pessoa que está passando férias na Disney. A vida do imigrante é, na verdade, bastante dura e nem todos conseguem superar esta etapa inicial, que é a mais difícil. E quando você, que ainda está no Brasil, vir seu amigo postando fotos no Facebook ou os vídeos no Snapchat que fazem parecer que ele tem uma vida cheia de glamour, lembre-se: ele está só aproveitando uns poucos momentos de descanso e diversão, para recarregar as baterias e voltar para a batalha diária que tem que enfrentar estando aqui.

E ainda assim, vale a pena?

Então você me pergunta: “quer dizer que estes imigrantes mostram somente uma falsa felicidade nas redes sociais? ” Não, não é isso que estou falando. Na verdade, é até algo bem difícil de explicar, porque quando você está morando fora, você sente uma satisfação e uma felicidade imensa por estar aqui – mesmo que seja vida dura, mesmo que você rale muito, mesmo que você se decepcione com tantas outras coisas. No entanto, ao viver fora do Brasil, num país como o Canadá, você vivencia o verdadeiro respeito, a verdadeira inclusão, o exercício permanente da tolerância, de uma maneira que (infelizmente) pouco se vê no Brasil. Fora isso, você se enche de alegria com o simples fato de poder andar livremente na rua, a qualquer hora do dia ou da noite. Finalmente, você tem de volta a liberdade que um dia lhe foi roubada. Não ser bombardeado todos os dias por notícias de corrupção e violência nos jornais e na TV também gera um alívio imenso. Aqui você também se estressa e se desgasta, mas por coisas que muitas vezes estão a seu alcance resolver. Sobre todas estas coisas boas, que fazem a gente se sentir tão bem por estar morando aqui, eu vou falar num próximo post.

E você, já morou fora do Brasil? Qual sua experiência? Seu período morando fora foi só de alegria e diversão?

E você que ainda está no Brasil, sabia que a vida do imigrante tinha este lado difícil assim? Conte para a gente, deixe sua opinião. O seu comentário é a parte mais importante do debate.

Créditos da imagem: montagem com fotos do Google Images.