O Canadá que eu não conhecia

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Quando eu comecei a pensar em imigrar para o Canadá eu mal e porcamente sabia onde ele ficava, meu francês era “zero”, meu inglês era “de subsistência” e eu não tinha a menor ideia de onde eu ia morar. Sem grana para fazer uma viagem exploratória eu tive que me virar com livros, filmes e séries. Depois de meses estudando, eu descobri que o que eu tinha aprendido era só a ponta do iceberg. Eu havia construído uma imagem errada de algumas coisas que eu só acabei descobrindo ao chegar aqui. Foi quando eu acabei conhecendo um Canadá que eu não conhecia.

Ter começado o PoDeixar e o Canadá Agora fez com que eu acabasse conhecendo muita gente. Com o tempo a gente acaba notando que existe um padrão nas pessoas e nota que todo mundo é muito parecido. São pessoas que querem vir para o Canadá porque:

  • Acham que vão ter bons empregos
  • A vida é tão ruim onde moram que qualquer lugar seria melhor
  • São refugiados ou não tem perspectiva de futuro
  • Tem família aqui
  • Querem morar em um lugar mais limpo ou mais seguro
  • Buscam o estilo de vida canadense
  • Queriam morar nos Estados Unidos e acham que o Canadá é igual só que um pouco mais frio
  • Só estão a fim de morar fora e “o primo do irmão do amigo” falou bem do Canadá

Eu resolvi colocar aqui alguns dos fatos mais comuns que as pessoas (eu, inclusive) tem sobre o Canadá e que não necessariamente são verdade.

Eu quero deixar bem claro uma coisa: cada um tem todo o direito de esperar o que quiser e eu não estou aqui pra acabar com seus sonhos nem dizer como você tem que viver a sua vida.

Ideias e conceitos desatualizados

Antes de falar de assuntos mais complicados, eu queria eliminar de cara alguns mitos ou conceitos errados que muita gente tem sobre o Canadá.

  • O Canadá NÃO É como os Estados Unidos.
  • Existem pessoas “safadas”, mal intencionadas e que se aproveitam do sistema. Mesmo entre os canadenses.
  • O processo de imigração dá preferência a certas profissões mas não há nenhuma garantia que você vai conseguir emprego na sua área.
  • Cursos superiores são validados de forma diferente e podem inclusive não serem aceitos.
  • Dívidas e compromissos financeiros são questões muito sérias e podem definir no seu futuro.
  • Cada província tem características bem peculiares e carrega uma bagagem tradicionalista muito maior do que se imagina. Muito diferente daquela imagem multicultural que se prega por aí.
  • Nem todos os canadenses tem interesse na cultura de outros países, tampouco se interessam em saber dos problemas desses lugares.
  • Um diploma em uma instituição canadense não é garantia de conseguir um emprego na área.
  • Fazer um college ou uma universidade não é passaporte garantido para a residência permanente.

É claro que cada um desses pontos poderia ter seu próprio artigo. Talvez eu realmente explore um por um algum outro dia.

O mito do Canadá rico e próspero

A economia canadense não é tão próspera como se imagina. Na realidade, o canadense aparece como o mais endividado do mundo e não é por acaso. “Os canadenses continuam a ‘enfiar o pé na jaca’ e estão correndo o risco de chegar ao ponto de não serem capazes de honrar suas dívidas”, diz Scott Hannah, presidente da Credit Counseling Society.

Ao contrário do que dizem por aí, o Canadá é sim uma sociedade consumista. As pessoas buscam status comprando coisas e muitos vivem à beira da falência. Muitos estão presos a hipotecas e às altas taxas dos cartões de crédito. Não são raras histórias de pessoas que trabalham apenas para pagar suas prestações e dependem de bancos de alimentos para sobreviver.

Quem não entende o funcionamento da economia pode ter seu sonho transformado em pesadelo da noite para o dia. O acesso relativamente fácil ao crédito acaba sendo uma armadilha que muitos só percebem quando já é tarde demais. As hipotecas funcionam como contratos de 25 a 30 anos que são renegociados a cada 3 a 5 anos. Ou seja, na melhor das hipóteses sua taxa de juros é reajustada pelo menos 6 vezes.

Para garantir a estabilidade do mercado, o Governo tem sido obrigado a intervir artificialmente forçando taxas de juros mais acessíveis. Esta política tem sido adotada há quase 10 anos ao custo de uma dívida que chega aos $650 bilhões (o Brasil tem uma dívida de $1.4 trilhões).

Em um cenário “favorável”, quem acaba ganhando é a especulação imobiliária. O mercado de algumas cidades (Toronto e Vancouver, estou falando de vocês) chegou a níveis insustentáveis para a maioria da população, onde comprar um imóvel é sinônimo de ganhar muito bem ou ter muito dinheiro guardado. Desde janeiro de 2017 já é mais barato comprar um imóvel em New York do que em alguns lugares no Canadá, e ainda tem o fato de que o dólar canadense está mais desvalorizado que o americano.

Uma cultura enraizada por gerações

Diferente dos Estados Unidos, que cortou sua relação com a Inglaterra quando declarou sua independência, no Canadá a Inglaterra era vista como o que havia de melhor. O preconceito e o xenofobismo estavam presente em todos os lugares. Mesmo os franco-descendentes, que ajudaram a fundar a Nação, eram relegados a tarefas indesejadas e tratados como cidadãos de segunda classe.

Mulheres eram proibidas de entrar em bares ou outros estabelecimentos sozinhas e mesmo acompanhadas eram restritas às salas para “Senhoras e Acompanhantes”. Elas eram restritas a funções relacionadas à Igreja, vendas, telefonistas, camareiras, enfermeiras, etc. Delas se esperava que casassem, parassem de trabalhar, gerassem filhos e obedecessem à autoridade do marido. Como se dizia: “lugar de mulher é cuidando da casa”.

O país era uma nação predominantemente rural e com profunda religiosidade. Era comum que a Igreja fosse citada inclusive em decisões governamentais e judiciais. O domingo era observado e estritamente obedecido como dia de respeito a Deus. Sexo fora do casamento era completamente proibido (obviamente que entre as mulheres) e homossexuais eram considerados criminosos malignos. Em algumas províncias, bebidas alcoólicas só eram vendidas em lojas finas e requintadas onde era preciso informar seu nome e endereço para registro.

Desde a década de 1950 o Canadá trava uma espécie de culture war com os Estados Unidos. As revoluções culturais acabaram mudando o país, encabeçadas principalmente por mulheres e pelos québecois, que finalmente tinham um lugar de respeito na sociedade. A Igreja e grupos religiosos em geral acabaram perdendo força com o tempo e, diferente dos Estados Unidos, não existem grupos religiosos conservadores extremistas.

Desde então, o Canadá passou a pregar os seguintes valores:

  • Direitos das Mulheres
  • Direitos de transgêneros e gays
  • Criminalização do assédio sexual
  • Espaço de trabalho igualitário
  • Responsabilidades iguais na educação dos filhos
  • Luta contra a violência doméstica
  • Secularidade da vida pública e laicidade

O papel do multiculturalismo

A bandeira do “multiculturalismo” é vendida de maneira um pouco exagerada para canadenses e imigrantes. O canadense aprecia muito a sua própria individualidade e espera que quem chega se adapte ao país, à sua cultura e seus costumes. Existem apenas duas línguas oficiais no país e não espere ser atendido fora desses dois (com raras exceções).

Ainda existe muito ressentimento que não chega aos olhos do público, onde o preconceito e o ódio ainda persistem. Infelizmente nem tudo são flores e as vezes as coisas acabam mal, tanto seja porque as pessoas infringem as leis ou por simples ignorância. É daí que acontecem:

  • casos de abuso de autoridade policial
  • professores avaliando negativamente alunos estrangeiros
  • sociedades de proteção ao menor fazendo denúncias contra famílias
  • escolas e comunidades de outras origens serem fechadas por não estarem “de acordo com as leis locais”
  • discurso de ódio contra uma etnia ou grupo.

Não subestime a cultura canadense

Eu já fui mais de sair a noite e curtir a balada. Mas o trabalho, a rotina e a preguiça acabaram me fazendo ficar mais caseiro. Mas uma coisa que dá pra perceber bem, é como os jovens canadenses aceitam bem a diferença racial.

A grande maioria dos canadenses ainda é caucasiano, mas é notável o crescente número de asiáticos, africanos e latinos. É interessante notar que entre jovens eles parecem não ligar para qual a origem da pessoa e tratam todos de maneira igual. Não por acaso, o Canadá aparece na frente em termos de casamentos interraciais. Por sinal, Toronto foi escolhida como a capital interracial do país.

É claro que a cultura norte-americana ainda é predominante por aqui, mas é fácil encontrar bares, restaurantes e estabelecimentos comerciais em geral com comida, música e cultura de países como Índia, Paquistão, Coreia, Japão, Sudão, Portugal, etc. Obviamente que isso é mais comum nas cidades maiores, mas mesmo nas cidades menores isso já tem acontecido com freqüência.

Um lugar tão bom quanto qualquer outro

Quem pensa em morar no Canadá e que não entende bem a realidade daqui pode se decepcionar muito ao chegar. Talvez você não seja capaz de encontrar um bom emprego e talvez tenha que ralar muito antes de finalmente conseguir algo. E mesmo esse “algo” que você encontre pode não ser o que você esperava.

Morar naquela casinha sem cerca com o gramado verde talvez nunca se torne realidade. Seu vizinho pode ser um racista ignorante, a professora do seu filho pode ser uma pessoa insensível e seu colega do trabalho pode nem sequer te dar bom dia. Embora realmente existam focos de tensão contra imigrantes, existe também um esforço institucional e da sociedade em fazer a coisa funcionar.

Eu acredito que o Canadá seja um lugar muito bom para imigrantes e uma nação com muito potencial. Muito do que eu conheci aqui acabou sendo bem diferente do que eu esperava. Em alguns casos para melhor, em outros nem tanto. Eu não sei o que o futuro me reserva e nem mesmo se eu vou continuar morando aqui para sempre. Se você me perguntar hoje, eu diria que este é o melhor país do mundo. Não porque alguma reportagem publicou isso, mas porque aqui é onde eu me sinto feliz.

As duas únicas certezas que eu posso dar sobre o Canadá são que:

  1. não existe certeza de nada
  2. o inverno sempre vai voltar no final do ano.

Referências

Foto da capa: Freepik

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