Feminicídio no Canadá

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O assassinato de mulheres e meninas é a forma mais extrema de violência em um contexto de abuso e discriminação. 35% dos homicídios de mulheres no mundo são cometidos por seus companheiros, de acordo com a Organização Mundial da Saúde, enquanto 5% dos assassinatos de homens são cometidos por suas parceiras.

Para compreender a gravidade do feminicídio deve-se entender que o termo não trata da totalidade de homicídios femininos em comparação a totalidade de homicídios masculinos, e sim do contexto em que a vítima é assassinada em razão do gênero feminino.

O principal motivo para o uso da palavra feminicídio é de que o crime é diferente por si só, por ser um crime de discriminação, cometido contra uma mulher pelo fato dela ser mulher, intensificado se houver uma diferença racial, de idade, de poder aquisitivo, ou se a mulher for trans ou homossexual.

Essa discriminação provém do machismo e do patriarcado, que são maneiras culturais da sociedade colocar a mulher num lugar de inferioridade, submissão e subserviência; de acordo com esse ponto de vista, a autoridade máxima é exercida pelo homem e automaticamente a mulher se torna um ser sem importância, que deve dedicar sua vida à servir principalmente aos homens.

A projeção da Organização das Nações Unidas é que 70% de todas as mulheres no mundo já sofreram ou irão sofrer algum tipo de violência em algum momento de suas vidas. Em 2016, um terço das mulheres no Brasil relataram ter sofrido algum tipo de violência. Delas, apenas 11% procuraram uma delegacia da mulher. Em 43% dos casos a agressão mais grave foi no domicílio.

Várias tipologias de feminicídio têm sido propostas por pesquisadores nas últimas décadas, com a maioria distinguindo “feminicídio íntimo” de vários outros tipos de feminicídio (familiar e por um estranho).

  • O feminicídio íntimo, também conhecido como feminicídio por parceiro íntimo, descreve a morte de mulheres por um parceiro atual ou antigo. De modo geral, as mulheres são muito mais propensas que os homens a serem agredidas, estupradas ou mortas por um parceiro; com frequência, há um histórico de abuso conjugal.

  • O feminicídio não íntimo envolve o assassinato de mulheres por qualquer pessoa com a qual eles não têm nenhuma relação íntima, que abrange uma ampla gama de subtipos de feminicídio como feminicídio familiar, feminicídio com o “outro autor conhecido” e o feminicídio por um estranho.

No Canadá, as mulheres têm seis vezes mais chances de serem mortas por um ex-cônjuge do que pelo cônjuge com o qual estão juntas. De fato, o período após a separação é o mais perigoso para as vítimas de violência.

Feminicídio no Canadá

A relevância do termo “feminicídio” no contexto canadense foi reforçada no dia 6 de dezembro de 1989, quando Mark Lépine entrou na École Polytechnique da Université de Montréal com a intenção de matar mulheres. Lépine separou os estudantes por sexo e gritou: “Vocês são feministas e eu odeio feministas!” antes de atirar nas mulheres.

14 mulheres morreram e 10 outras ficaram feridas antes de Lépine virar a arma contra si mesmo. A natureza política do ataque de Lépine foi largamente negligenciada pela mídia. Como resultado do massacre, muitas pessoas descreveram as ações de Lépine como o trabalho de um louco, ignorando a conexão entre a violência e suas atitudes odiosas e misóginas em relação às mulheres. Em suma, não foi reconhecido que ele estava alvejando suas vítimas porque eram mulheres, de acordo com a definição de feminicídio.

Todos os anos, no dia 6 de dezembro, os canadenses se reúnem para homenagear as vítimas do massacre de Montreal e outras vítimas de feminicídio como parte do Dia Nacional de Recordação e Ação contra a Violência contra as Mulheres.

O Observatório Canadense do feminicídio pela justiça e responsabilização publicou uma lista de 78 vítimas cujos casos foram notificados pela mídia durante o primeiro semestre de 2018, sendo que 12 são mulheres autóctones.

O observatório foi criado em resposta à chamada à ação por parte do relator especial do alto comissariado das Nações Unidas pelos Direitos Humanos sobre a violência contra as mulheres, suas causas e consequências para que os países possam documentar os assassinatos baseados em gênero contra as mulheres, coletando, analisando e revisando os dados de feminicídio com um enfoque preventivo.

O objetivo é capacitar as mulheres e depois promover a igualdade global para todas as mulheres, além de homenagear as vítimas.

A lista assume a forma de um diretório de violência contra meninas e mulheres – na maioria das vezes de natureza conjugal. As vítimas são identificadas pela idade, local de residência e nome, sempre que possível.

A maioria dos casos aconteceram em Ontário, seguida por Quebec, Manitoba e Alberta.

Estatísticas do Canadá

A violência conjugal é uma das formas mais comuns de violência contra as mulheres no Canadá. A maioria das vítimas de abuso conjugal são mulheres; constituem 83% das vítimas.

As mulheres são quase quatro vezes mais propensas que os homens a serem vítimas de violência conjugal.

Quatro em cada dez mulheres que sofreram violência do cônjuge relatam terem sofrido lesões físicas (42%), mais que o dobro da proporção de vítimas do sexo masculino (18%).

As mulheres têm três vezes mais chances de serem espancadas, estranguladas, estupradas ou ameaçadas com uma arma de fogo ou faca por seu parceiro ou ex-parceiro.

A maioria das vítimas de homicídio familiar é do sexo feminino, enquanto a maioria dos perpetradores de atos de agressão são do sexo masculino.

95% das vítimas de homicídio conjugal em Ontário são mulheres.

A taxa de vítimas femininas de homicídio conjugal diminuiu 46% entre 1991 e 2011.

Menos de um terço das mulheres vítimas de violência conjugal relatam que o incidente foi denunciado à polícia. As mulheres escolhem não contactar a polícia por diferentes razões …

79% das mulheres que não levaram o incidente à atenção da polícia disseram ter resolvido a situação de outra maneira, enquanto 74% das mulheres não relataram o incidente porque a sensação de que esta é uma questão pessoal.

53% dos incidentes em que as mulheres são vítimas de agressão sexual e 60% dos incidentes em que as mulheres são espancadas, estranguladas ou agredidas com uma arma são levadas ao conhecimento da polícia.

Mulheres entre 15 e 34 anos de idade com um parceiro ou ex-companheiro são duas a três vezes mais propensas a serem agredidas por seu cônjuge do que mulheres com mais de 34 anos.

Mulheres autóctones têm 2,5 vezes mais chances de serem vítimas de violência conjugal do que mulheres não-autóctones.

O feminicídio de mulheres autóctones

Desde 1980, quase 1.200 mulheres autóctones canadenses foram assassinadas ou desapareceram com quase total indiferença. Este é o ponto cego de um país considerado pacífico.

As mulheres autóctones têm muito mais chances de serem mortas por um parceiro do sexo masculino do que mulheres pessoas não-autóctones no Canadá. Elas representam 4% da população canadense, porém foram 24% das vítimas de homicídio em 2015.

Desde que a Real Polícia Montada do Canadá (RCMP) começou a investigar o feminicídio autóctone, documentaram quase 1.200 casos. Foi então que o governo canadense lançou o Inquérito Nacional sobre Mulheres e Meninas Indígenas Desaparecidas e Assassinadas em 2016. Seu mandato é relatar as causas de todas as formas de violência contra as mulheres autóctones. Foi então, destacada uma série de questões sistêmicas, incluindo a impunidade de muitos dos predadores, semelhante ao que é documentado em outras partes do mundo. O estudo revelou que quase metade de todos os casos envolvendo mulheres e meninas autóctones permanece sem solução e nenhuma acusação foi aplicada em aproximadamente 40% dos casos em que as acusações ou condenações ainda não é conhecida.

Segundo o Relatório Intercalar do Inquérito, foi reconhecido que o alto risco de violência experimentada por mulheres e meninas autóctones deriva em grande parte do fato de que a polícia e outros atores do sistema de justiça criminal não atendem adequadamente às necessidades dessas mulheres e meninas aborígines.

A questão das mulheres e meninas autóctones desaparecidas no Canadá tem sido o foco de atenção nacional e internacional nos últimos anos. Algumas dessas mulheres são mortas por parceiros do sexo masculino, outras por conhecidos ou por estranhos. Se aceitarmos que as mulheres e meninas indígenas são mortas em parte porque são mulheres, o termo “feminicídio” poderia ser usado. No entanto, o tipo mais adequado de feminicídio por causa dos tipos existentes não é claro, porque é importante entender como a identidade combinada de “nativos” e “mulheres” leva a um aumento do risco de feminicídio. Este exemplo destaca a importância de identidades cruzadas na identificação de riscos e o fato de que o sexo nem sempre é a identidade dominante que leva à morte de uma mulher.

Ranking

Sete dos dez países com maior taxa de homicídios femininos no mundo estão na América Latina. El Salvador lidera a lista com uma taxa de 8,9 homicídios por 100.000 mulheres, seguido pela Colômbia com 6,3, Guatemala com 6,2, Rússia com 5,3 o Brasil é o quinto colocado entre com 4,8, México é o sexto com 4,4 e o Suriname é o oitavo com 3,2 de um total de 83 países que fizeram parte deste estudo.

Com seu número recorde de assassinatos femininos, a América Latina é o continente mais perigoso para as mulheres. Esses feminicídios são a expressão extrema do machismo. A maioria de seus autores são maridos, noivos, amantes ou parentes que consideram ter o direito à vida ou à morte sobre a “sua” esposa. Nos últimos anos, para combater esse flagelo, cerca de 20 países incorporaram essa noção de feminicídio em seu código penal e a puniram com mais severidade. Porém, o problema é cultural, não bastando apenas adaptar o código penal, somente uma restruturação social à partir do sistema educacional amenizaria a situação.

Feminicídio no Brasil

Desde 9 de março de 2015, a legislação prevê penalidades mais graves para homicídios que se encaixam na definição de feminicídio – ou seja, que envolvam “violência doméstica e familiar e/ou menosprezo ou discriminação à condição de mulher”. Os casos mais comuns desses assassinatos ocorrem por motivos como a separação.

O Brasil teve 4.473 homicídios dolosos de mulheres em 2017, sendo 946 feminicídios, ou seja, casos de mulheres mortas em crimes de ódio motivados pela condição de gênero. Um aumento de 6,5% em relação ao ano anterior. Porém em 2017, três anos após a sanção da Lei do Feminicídio, três estados ainda não contabilizam os números generalizando como homicídio sem definir o gênero da vítima. E outros possuem apenas dados parciais. O Rio Grande do Norte é o que tem o maior índice de homicídios contra mulheres: 8,4 a cada 100 mil mulheres.

“Os operadores do sistema de justiça criminal precisam olhar para a morte de mulheres e saberem quando registrá-las como feminicídios, em um processo que não é apenas técnico, mas também cultural, já que a morte de mulheres é, de certa forma, naturalizada e as violências contra a mulher no cotidiano são aceitas e reproduzidas”, dizem as pesquisadoras do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

História do termo

O primeiro uso documentado do termo “feminicídio”, foi publicado em um livro de John Corry (1801), intitulado Uma visão satírica de Londres no alvorecer do século XIX onde se falava em assassinar uma mulher. Mas foi em 1976 que o termo foi reintroduzido publicamente na era moderna por Diana Russell, pioneiro, especialista e ativista feminista da violência contra as mulheres, ao Tribunal Internacional de crimes contra as mulheres para desenhar atenção à violência e discriminação contra as mulheres por homens motivados por ódio, desprezo, prazer ou um senso de propriedade das mulheres. Mais recentemente, essa definição evoluiu para sua forma mais comumente usada, “a morte de uma ou mais mulheres por um ou mais homens por causa de seu status feminino”, como Russell declarou em seu discurso no Simpósio de Feminicídio das Nações Unidas em 2012.

No nível internacional, uma definição mais ampla de feminicídio é frequentemente usada para abranger qualquer assassinato de mulheres e meninas. Isso geralmente é feito para facilitar as comparações internacionais, mas também para levar em conta que, em alguns casos ou tipos de feminicídio, as mulheres membros da família ou mulheres em outros contextos podem às vezes estar envolvidas. Com isto em mente, no entanto, reconhece-se que os homens são os principais autores do feminicídio e que a maioria dos feminicídios são cometidos por parceiros atuais ou antigos – uma tendência que existe em todo o mundo, embora as proporções variam de uma região do mundo para outra.

Qualquer que seja a definição usada, o uso do termo “feminicídio” para descrever o assassinato de mulheres pretende chamar a atenção para a violência generalizada que as mulheres experimentam, em grande parte por parte dos homens. É geralmente aceito que o feminicídio é uma forma extrema de violência contra as mulheres, principalmente por homens contra mulheres e meninas.

Conforme declarado pelo Secretário-Geral das Nações Unidas em seu último relatório sobre o progresso em direção à realização dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, essa violência é perpetuada e mantida através de amplos sistemas patriarcais que levam à opressão e à repressão. desigualdades persistentes entre os sexos.

O feminicídio também é reconhecido como uma violação global, generalizada e persistente dos direitos humanos. A maneira pela qual estados-nações ou governos respondem ao feminicídio tornou-se um foco prioritário de atenção internacional, porque nenhum país está livre desse tipo de violência. As respostas inadequadas do Estado e a contínua impunidade de vários autores desses assassinatos foram destacadas.

Muitas outras formas de opressão, como racismo e pobreza, aumentam a marginalização das mulheres pela sociedade e, ao mesmo tempo, sua vulnerabilidade ao feminicídio em vários contextos.

O feminicídio é evitável

O empoderamento de meninas e mulheres jovens, a promoção da igualdade para todas as mulheres e o enfrentamento de estereótipos e preconceitos sobre a violência contra as mulheres podem ajudar a prevenir o feminicídio.

Um elemento chave que contribui para o feminicídio e a violência contra as mulheres é a desigualdade de gênero. Então é esta desigualdade que precisa ser amenizada e isso é possível com educação desde a infância.

Se você já foi vítima de agressão por ser mulher ou já presenciou algum caso aqui no Canadá, fique à vontade para dividir a sua experiência conosco para ajudar na conscientização da nossa comunidade.

Referências

  • Estatísticas sobre a violência contra as mulheres (ONU Femmes)
  • A história do termo “Feminicídio”
  • Entenda a Lei do Feminicídio e porque ela é importante
  • Por que a América Latina tem a maior taxa de homicídios de mulheres?
  • Cresce o número de homicídios de mulheres no Brasil
  • Estatísticas da violência familiar (Governo de Ontário)
  • Pesquisas comprovam 78 mulheres mortas desde o começo de 2018 (L’Actualité)
  • Canadá: O drama oculto do feminicídio autóctone (Le Monde)