Criando filhos para o mundo

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Quando meu filho era mais novo ele geralmente ficava frustrado porque não conseguia fazer alguma coisa. Seja no dever da escola ou alguma tarefa manual em casa. Não era raro ele ficar realmente brabo e começar a chorar e a chutar as coisas. Bem, nada muito diferente de muitas criança. Como alguém que preza muito pelo auto-controle e na habilidade de resolver problemas sozinho, dá pra imaginar como eu ficava.

Como pai, eu queria que ele fosse capaz de se acalmar e completar as tarefas e não desistir pelo caminho quando tudo ficava difícil. Tentar encontrar soluções alternativas e buscar compreender o problema era o que realmente importava pra mim. Pouco importa se aquilo ia levá-lo a se tornar o melhor da sala ou o que quer que seja. Isso é particularmente interessante vindo de um cara cujo nome significa, literalmente, “vencer” (Masaru é “ser alguém vitorioso”).

Eu não sou um exemplo de sucesso contínuo e superação. Na verdade eu sou um cara teimoso que costuma deixar muitas coisas pela metade. Mas, entre aqui e ali, “dei meus pulinhos” para resolver meus problemas. Não por acaso meus esportes favoritos (escalada, natação e karate) são relacionados a paciência e auto conhecimento.

Nana korobi ya oki

Sem sombra de dúvidas eu devo muito do que eu sou à minha mãe. Eu cresci com ela dizendo “eu estou criando filhos para o mundo, não pra mim”. Apesar de ser brasileira, ter casado com um japonês e abraçado a cultura do país do meu pai com unhas e dentes. Isso fez com que ela acabasse transferindo muitos dos valores japoneses para mim e para minhas irmãs. Muitos mesmo.

Existe um ditado muito conhecido no Japão: Nana korobi ya oki (七転八起) – “caia sete vezes, levante-se oito.” Pra mim isso é a síntese da persistência. Note que não tem nada a ver com vencer, mas sim continuar tentando, não importando os obstáculos jogados na sua vida.

Se tinha algo que a minha mãe nos encorajava era a não desistir. Não era sobre ser o melhor, ganhar tudo, etc. É claro que ganhar era legal e ela comemorava sempre que tínhamos êxodo em algo, mas mesmo quando isso não acontecia ela estava lá, nos mostrando o quanto havíamos aprendido e o quanto havíamos alcançado. Ah! E se você é daqueles que acha que “o segundo lugar é só o primeiro perdedor”, boa sorta pagando terapia.

Ganbatte x Boa Sorte

Já parou para notar como encorajamos as pessoas? Seja em um concurso, numa competição ou o que quer que seja, o que acabamos ouvindo o clássico “boa sorte”, estranhamento jogando para o acaso as chances de alguém. Com “alguma sorte” talvez alguém diga “quebre a perna”, numa alusão ao mundo do teatro, mas fica por aí.

Em japonês existe a expressão “ganbatte” (頑張って), algo que pode ser traduzido como “dê o melhor de si”. A expressão é repetida exaustivamente em todos os cantos e a todos os momentos, por todas as pessoas. E não é preciso ser íntimo para desejar um “ganbatte” para outra pessoa. Vemos isso entre pais e filhos, professores e alunos e mesmo entre colegas de trabalho, seja em grandes momentos como num exame de admissão de universidade ou mesmo antes de uma simples reunião.

A expressão não limita as pessoas a serem o que são ou joga seu sucesso às forças do acaso. Ao invés disso, ela encoraja cada um a acreditar que seu potencial é ilimitado. Talvez não seja à toa que escolas no Canadá tem parado de encorajar os alunos com frases como “você é muito esperto”, substituindo-as por mais adequados “você trabalhou duro por isso!”

Crianças vivem numa pressão enorme todos os dias impostos por pais e própria sociedade. Some a isso sistemas injustos de seleção que ignoram as aptidões individuais e temos uma fórmula pronta para criar adultos com falta de empatia e focados no seu próprio ego.

O poder do “Ainda”

Nos Estados Unidos o sistema educacional tradicional tende a privilegiar alunos mais aptos e com melhor desempenho na execução de tarefas. Existem inclusive classes especiais onde alunos com melhor desempenho acabam recebendo tratamento e educação privilegiada.

No Canadá quem tem dificuldades é ser incentivado com frases como “você não entendeu… AINDA” ou “você não conseguiu… AINDA”, reforçando a questão da habilidade pessoal de cada um. Mas nem tudo são flores. Ainda que esse tipo de comportamento exista, muitas escolas premiam alunos com os melhores desempenhos em grandes cerimônias.

No Japão, contraditoriamente a um grande espírito competitivo, existe também o espírito de grupo ou de comunidade. O mérito de algo nunca é de alguém sozinho, mas de todos aqueles que estiveram envolvidos. Mesmo quando uma pessoa sozinha é premiada ela divide os louros do sucesso com aqueles que estiveram ao seu lado.

A realidade é mais dura do qeu a teoria neste caso. O mercado força a competitividade e o trabalho exaustivo em ciclos infinitos que na maioria das vezes só resultam em doenças físicas e psicológicas. Ao mesmo tempo que querermos que nossos filhos sejam profissionalmente bem sucedidos, temos que priorizar que sejam indivíduos mais empáticos, capazes de trabalhar de forma colaborativa e melhores seres humanos.

Hansei – A base de tudo

Ensinar o valor do esforço é algo feito desde que as crianças são pequenas na cultura japonesa. A ideia é criar indivíduos de caráter, fortes de corpo e alma.

Como o tempo as crianças são ensinadas o conceito do hansei (反省), algo como “auto avaliação”. Isso ajuda a identificar onde você pode melhorar e, mais importante, como trabalhar para atingir esse objetivo. Os estudantes são incentivados a escrever suas metas e detalhar seus planos para atingí-las. Essa “mentalidade de crescimento” dá aos estudantes um senso de controle sobre suas ações. Basicamente, se você quiser melhorar, tem que planejar e trabalhar por isso!

Em tempos onde vivemos num ciclo vicioso de consumo e recompensa, são cada vez mais raros momentos em que podemos refletir sobre nossas ações e pensamento. A habilidade de “desacelerar” é algo que não é incentivado nem por empresas nem pela sociedade. Somos forçados a agir rápido, tal qual ratinhos numa gaiola e tal qual os roedores, não paramos para avaliar o que estamos fazendo e o porquê de estarmos ali.

Precisamos mostrar aos nossos filhos que eles são muito mais do que peças num tabuleiro e que não precisam seguir cegamente ideias ou individuos. Ainda que eles sejam parte dessa sociedade, eles não precisam ser “vaquinhas de presépio” e aceitar tudo que lhes é apresentado. Eles precisam ser capazes de avaliar suas ações e a pensar como pretendem ser. Coisas simples como confrontá-los com coisas que viram ou fizeram e fazê-los pensar sobre o que acham daquilo.

Referências