Convivendo com a insegurança do dia-a-dia

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Convivendo com a insegurança do dia-a-dia

Já foi o tempo que ser criança no Brasil era sinônimo de liberdade. Pra quem mora em cidades grandes ou pequenas, jogar bola na rua, ficar até altas horas brincando ou andar tranquilamente pelo bairro são cenas de contos do Ziraldo ou coisas que só existem na sua cabeça.

Alguns “felizardos” tem a sorte de usufruir da infância em shopping centers ou condomínios fechados sob os cuidados de cercas, seguranças e câmeras de vigilância, mantendo-os protegidos da possibilidade de virarem estatística ou de irem parar nas fotos daquele grupo de whatsapp bizarro que teus amigos te incluíram onde mandam fotos daqueles que caíram nas mãos do batalhão de choque da PM.

Diferente do menino de pijamas listrado que ainda tinha a empatia do garoto alemão do outro lado do arame, essas crianças crescem sem conhecer a realidade daqueles que não tiveram tanta sorte na vida, que não tem pra onde fugir e nem sequer tem a ideia do que é um programa de imigração permanente. Esses “filhos do medo” não são assim porque não se importam com a vida alheia, mas por causa dos seus pais, que vivem inseguros e acuados por não saberem de onde pode vir “a próxima bala”.

Uma geração perdida

Vindos de uma classe média ensinada a não enxergar além do seu próprio umbigo, esses pais e mães (dos quais me incluo) sonharam em consumir e poder viajar para a Disney, de comprar sua casa própria e ter seu carro pago, movidos por uma economia que prometia o país do futuro. Quem não sonharia, não é? A tal geração X e Y cresceu a base de TV a cabo, ouvindo histórias e promessas de uma vida de sucesso que seriam fruto do trabalho árduo e da dedicação.

Um dia, porém, como quem acorda sacudido pelo despertador, não lhes resta outra opção senão abrir os olhos para a realidade e se dar conta que construir muros nunca foi uma solução, que infelizmente o problema é muito maior que otimismo seja capaz de admitir e que esquadrões de seguranças e vidros blindados não são soluções.

A promessa de uma vida nova

Pergunte a qualquer um que resolveu imigrar para o Canadá quais os motivos que os levaram a deixar o Brasil e muito provavelmente o tema “segurança” vai estar na lista e certamente vai envolver filhos, nascido ou não.

Motivados por palestras de informação e histórias de (des)conhecidos que compartilham “as maravilhas do lado de lá”, os futuro imigrantes apostam todas as fichas nesse plano, inclusive deixando de lado suas carreiras bem sucedidas, os almoços na casa dos pais e mesmo das noites de boemia com os amigos de tanto tempo pela possibilidade de paz e tranquilidade. 

A esperança de um lugar idílico, um “El Dorado” pintado com outonos coloridos e invernos encantadores, onde as crianças podem desfrutar da liberdade, do respeito ao próximo, das casas suburbanas sem cercas e dos cenários bucólicos dos enlatados gringos e dos filmes da sessão da tarde, aos poucos começam a tomar o lugar da insegurança e incerteza de sempre.

O recomeço

A realidade não é como no seriado de Barrados no Baile mas não tem como negar que é encantadora. O respeito ao próximo que aprendemos com nossos pais e avós ressurge como um livro esquecido em uma caixa dentro do armário e o recém-chegado se vê motivado a usufruir daquela vida nova. Quando menos se dá conta “thank you”, “sorry”, “merci”, “s’il vous plaît” são parte do seu vocabulário; segura a porta para os outros, espera o elevador, até descobre pra que serve a placa de “dar preferência”.

Tudo vai bem, tropeços e atropelos aqui e ali até que um belo dia a novidade dá lugar à rotina e a rotina permite enxergar além do encanto. Surgem as críticas ao trânsito, à demora em conseguir alguns serviços, do vizinho que faz muito barulho e os descontos no contracheque. O mundo passa a ter cores mais sóbrias e a vida continua.

Tudo de novo?

De repente os jornais passam a ter notícias de assaltos e até mesmo de assassinatos no lugar de festivais, shows e eventos familiares. Casos e histórias de pessoas más intencionadas, que aplicam golpes e até quem se aproveitam do Governo, de traficantes e até troca de tiros!

E logo um dia dá lugar a outro. E a outro. E a outro.

A história de uma gangue de meninas que recruta outras estudantes para trabalharem numa rede de prostituição juvenil é manchete da semana. Outro dia, aparecem  professores que abusam sexualmente de alunos. Sem falar dos casos de bullying e violência dentro das próprias escolas que já parecem até rotina.

“De onde vieram todas essas coisas?” Bom, elas sempre estiveram lá. Os olhos agora enxergam sob o prisma desta realidade, um lugar com problemas, que não é perfeito, onde coisas ruins também acontecem e ninguém entende “como isso aconteceu”. A velha desconfiança que parecia ter ficado pra trás ressurge junto com as incertezas e medos em relação a outras pessoas. 

Igual mas diferente

Dizem que “é preciso uma aldeia para educar uma criança”. Isso nunca fez tanto sentido quanto no Canadá. As instituições canadenses são feitas para a comunidade e pela comunidade. Escola e polícia trabalham juntas em campanhas de conscientização, conhecendo as pessoas da região, trocando boletins de suspeitos, etc.

Além do trabalho das instituições, a sociedade tem papel essencial: participam de reuniões de comissões escolares, acompanham boletins divulgados pelas escolas e pela polícia, colaboram com as autoridades, etc. Pais tem ainda uma função a mais: repassar todas essas informações aos seus filhos e fazer com que eles compreendam dos risco sem se sentirem intimidados ou em perigo. É a velha história de ser parte do sistema e fazer a sua parte pra que ele funcione (isso é tema pra uma longa conversa em outra hora dessas).

Mesmo com todo esse esquema, nem tudo são flores e sempre vai ter um espírito de porco pronto pra ver o circo pegar fogo, que haja de maneira ilícita, que queira se aproveitar dos outros. Os canadenses mesmos admitem isso! Parafraseando o físico brasileiro Marcelo Gleiser, não existe solução perfeita mas existem soluções melhores que outras.

Enfim, comparar Brasil e Canadá é querer comparar maçãs e bananas: sempre vai ter quem ache um melhor que o outro e ambos vão ter seus lados positivos e negativos. A verdade é que nenhum deles é perfeito. Mesmo quantificando a violência em número de vítimas e crimes cometidos, chegando à conclusão que um lugar pode ser mais seguro que o outro, no final das contas medo e insegurança vão ser igual cu: cada um tem o seu e só cabe a cada um cuidar do seu.

Assista também o Momento Lindo sobre “Medos

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